No Brasil, em 2022, mais de 1.400 casos de feminicídios foram registrados, esse número representa um recorde: uma mulher morta a cada seis horas por questões de gênero. O feminicídio que se aplica na lei 13.104/15, trata-se de um crime praticado contra a mulher em decorrência do fato de ela ser mulher (misoginia e menosprezo pela condição feminina ou discriminação de gênero, os fatores também podem envolver violência sexual) ou em decorrência de violência doméstica.
No Pará, segundo informou a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (Segup), no ano de 2019 foram computados 47 casos de feminicídio, em todo estado, em 2020 foram computados 68 casos. Já no ano de 2021, foram registrados 69 casos. Vale lembrar que os anos 2020 e 2021 foram marcados pela pandemia da covid-19, onde muitas mulheres tiveram que ficar 24 horas ao lado do seu agressor.
Em relação ao ano de 2022, no período de janeiro a dezembro, foram registrados 49 casos de feminicídio, representando uma redução de 29% se comparado ao mesmo período de 2021. Neste ano de 2023, de janeiro a março, foram registrados 7 casos de feminicídio, uma redução de 41,66% em relação ao mesmo período de 2022.
É muito importante lembrar, que ao contrário dos homicídios em geral, o feminicídio é motivado pela desigualdade de gênero. Essa desigualdade é baseada na crença de que mulheres são subordinadas aos homens, esta crença faz com que muitas vezes mulheres sejam vistas como “objeto” e “propriedade” de seus parceiros. Segundo um estudo realizado pesquisadora Lourdes Bandeira, professora do departamento de Sociologia da UNB (Universidade de Brasília), metade dos casos de feminicídio são cometidos por parceiros que não aceitam o fim do relacionamento.
Uma pesquisa do boletim “Elas Vivem: dados que não se calam”, produzido pela Rede de Observatórios da Segurança, revelou que sete em cada 10 feminicídios são cometidos por companheiros ou ex-companheiros das vítimas. Os dados foram coletados pelo grupo a partir do monitoramento de casos de violência contra a mulher divulgados em grandes veículos de comunicação e nas redes sociais.
Feminicídios que marcaram o Pará
Caso Geordana Farias
Um dos casos de feminicídio de grande repercussão no Pará, foi o da modelo Geordana Farias, de 20 anos, a jovem foi assassinada com várias facadas, no dia 1 setembro de 2021, pelo ex-namorado, Lúcio Magno Quadros, de 22 anos, ele não aceitava o fim do relacionamento.
O Portal Roma News conversou com Guilherme Farias, pai de Geordana, que relatou um pouco sobre como a família aprendeu a lidar com o luto e com a saudade. “O começo foi bem difícil, não que agora não seja, parece que aquela situação era só um pesadelo e a Geordana ia entrar pela porta a qualquer momento. Na semana seguinte, tivemos ajuda psicológica, fizemos duas sessões e conseguimos reorganizar as ideias, evitei remédio para não ficar dependente, procurei não me consumir com o processo, até porque o agressor já estava preso e eu nada poderia fazer a não ser confiar na justiça. Depois do julgamento, decidi mudar de casa, as lembranças eram muito fortes, não estava me fazendo bem e precisávamos recomeçar, seguir em frente”, disse.
“Todos falam que tudo na vida é um propósito de Deus, e que esse propósito sirva de alerta, os sinais são claros, quando houver a primeira agressão, se não derem um basta, certamente outras virão e pode ser tarde demais”
Guilherme Farias – Pai de Geordana
Guilherme ainda relatou que a família só soube das situações que Geordana havia passado, no dia do julgamento, quando a família teve acesso ao formulário que ela havia preenchido na delegacia com as denúncias contra Lúcio. “Ficamos em estado de choque com que ela vinha passando, me bateu um desespero, uma vez que sempre fui muito protetor, cuidadoso, etc. O que quero dizer com isso, não se omita, conversem com alguém de confiança, peça ajuda para uma amiga (o) até porque, mulher nenhuma pode e deve passar por isso”, finalizou.
Geordana já havia registrado boletim de ocorrência contra o ex-namorado na Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam) em Ananindeua e desde de maio de 2021 tinha uma medida protetiva contra ele. Ela foi encontrada morta em uma passarela no bairro Cidade Nova VI na madrugada do dia 4 de setembro de 2021. Lúcio confessou o crime, o julgamento dele ocorreu no Fórum de Ananindeua, ele foi condenado a 23 anos de prisão.
CASO LUCIDALVA MARTINS
Um caso recente de feminicídio, aconteceu na cidade de Cametá, nordeste paraense, no dia 7 de março deste ano, ás vésperas do dia Internacional da Mulher. A vítima, Lucidalva Martins foi assassinada com 10 facadas, pelo companheiro, João Batista Cardoso Pantoja, no vilarejo de Poeirão, zona rural do município. Após assassinar Lucidalva, João Bastista fugiu para uma área de mata, o paradeiro dele ainda segue desconhecido.
A violência contra a mulher é histórico
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a violência contra a mulher, especialmente a violência praticada pelo parceiro íntimo e a violência sexual, é um grande problema de saúde pública e uma violação dos direitos humanos. Estimativas mundiais publicadas pela organização indicam que cerca de 1 em 3 (35%) das mulheres em todo o mundo sofrem violência física e/ou sexual por parceiro íntimo ou violência sexual por não parceiros durante a vida.
Em diversas abordagens sobre o conceito de patriarcado. Carole Patman (1988), apontou que o patriarcado é um sistema de poder parecido com o escravismo. No modelo social patriarcal não existe uma regulação pública sobre a esfera de vida privada, por isso, os desequilíbrios de poder no ambiente doméstico não são passíveis de normatização ou fiscalização pela esfera política. Isso permite que esse modelo seja inteiramente sujeito à vontade e ao arbítrio de quem possui o poderio econômico da esfera familiar, o homem
Um exemplo de prática do modelo patriarcal é a mulher ser obrigada manter relações sexuais com seu esposo mesmo contra sua vontade, em “legítima defesa da honra masculina”, esse fato que por muito tempo foi legal e socialmente aceito. A Delegada da Diretoria de Atendimento a Vulneráveis no Pará, Ariane Melo, explica como a violência contra a mulher vem sendo tratada ao longo dos anos.
Grande parte de crimes contra a mulher, são praticados no âmbito privado, dentro do seu próprio lar, por pessoas próximas à sua convivência, como maridos ou companheiros. Essa violência é praticada de diversas maneiras, começam com agressões verbais, passam pela psicológica, física e até chegar no feminicídio, que é o ápice dessa violência. Em um lugar que deveria existir uma relação de afeto, proteção e respeito, existe uma relação violenta, que na maioria das vezes é invisibilizada, tudo por estar atrelada a papéis que são culturalmente atribuídos para ambos.
Entenda os tipos de violência doméstica
VIOLÊNCIA FÍSICA
É qualquer comportamento fisicamente agressivo ou ameaça de abuso físico. Isso pode incluir bater, chutar, morder, dar um tapa, sacudir, empurrar, puxar, socar, sufocar, beliscar, puxar cabelo, esfaquear, atirar, afogar, queimar, bater com um objeto, ameaçar com uma arma ou ameaçar, entre outros. Impedir necessidades físicas, como interrupção do sono ou das refeições, negação de dinheiro, comida, transporte ou ajuda se a vítima estiver doente ou ferida, também é considerado como violência doméstica.
VIOLÊNCIA SEXUAL
O abuso sexual é usar o sexo de forma exploradora ou forçar o sexo a outra pessoa. Ter consentido no passado não significa consentimento atual. O abuso sexual pode envolver comportamento verbal e físico. Isso pode incluir usar força, coerção, culpa e manipulação para fazer sexo.
Explorar uma mulher que é incapaz de tomar uma decisão informada sobre o envolvimento na atividade sexual por estar adormecida, intoxicada, drogada, incapacitada, muito jovem, muito velha, ou dependente ou com medo. Rir ou zombar da sexualidade ou do corpo dela, fazer declarações ofensivas, insultantes ou xingamentos em relação às preferências / comportamentos sexuais da vítima.
Fazer contato com a mulher de qualquer forma não consensual, incluindo penetração indesejada (oral, anal ou vaginal) ou tocar (acariciar, beijar, lamber, chupar ou usar objetos) em qualquer parte do corpo dela. Exibir ciúme excessivo, resultando em falsas acusações de infidelidade e comportamentos controladores para limitar o contato da vítima com o mundo exterior. Ter casos com outras pessoas e usar essas informações para insultar a mulher. Negar sexo a ela como mecanismo de controle.
A violência psicológica é qualquer comportamento que explore a vulnerabilidade, insegurança ou caráter de outra pessoa. Os comportamentos incluem degradação contínua, intimidação, manipulação, lavagem cerebral ou controle de outra pessoa em interesse do indivíduo.
VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA
Como por exemplo, insultar ou criticar para minar a autoconfiança da mulher, incluindo humilhação pública. Ameaçar ou acusar, direta ou indiretamente, com a intenção de causar danos ou perdas emocionais ou físicas. Exemplo, ameaçar matar a vítima ou a si mesmo, ou ambos.
Usar declarações ou comportamentos que distorcem a realidade que criam confusão e insegurança na mulher, como dizer uma coisa e fazer outra, declarar fatos falsos como verdade e negligenciar o cumprimento das intenções declaradas. Isso pode incluir negar o abuso ocorrido e / ou dizer à vítima que ela está inventando o abuso.
Desconsiderar, ignorar ou negligenciar as solicitações e necessidades da mulher. Usar ações, declarações ou gestos que ataquem a autoestima e o valor próprio da vítima com a intenção de humilhar. Dizer que ela é mentalmente instável ou incompetente. Força-la a consumir drogas ou álcool. Não permitir que ela pratique suas crenças religiosas, isolando-a da comunidade religiosa ou usando a religião como desculpa para o abuso. Usar qualquer forma de coerção ou manipulação que a enfraqueça.
VIOLÊNCIA MORAL
É considerada qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria. Acusar a mulher de traição, emitir juízos morais sobre a conduta, fazer críticas mentirosas, expor a vida da vítima, rebaixar a mulher por meios de xingamentos que incidem sobre a sua índole, desvalorizar a vítima pelo seu modo de vestir.
VIOLÊNCIA PATRIMONIAL
Entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades. Caontrolar o dinheiro, deixar de pagar pensão alimentícia, destruir documentos pessoais, furtar, extorquir, estelionato, privar de bens, valores ou recursos econômicos. Causar danos propositais a objetos da mulher ou dos quais ela goste.
Veja onde procurar ajuda
A Delegada da Diretoria de Atendimento a Vulneráveis, Ariane Melo, conversou com o Portal Roma News, e explica como funciona o atendimento dos servidores para acolher as mulheres que sofreram algum tipo de violência. Assista:
ATENDIMENTO
Para atender as vítimas de violência doméstica, o programa Pró Mulher está presente em Belém, Ananindeua, Marituba, Marabá, Bragança, Santarém, Tucuruí, Abaetetuba, Altamira e Barcarena. Em parceria com os principais órgãos de segurança. As ações repressivas ocorrem a partir de ligações feitas ao canal de urgência e emergência 190, e a segunda por meio da prevenção feita a partir de visitas continuas as vitimas cadastradas no programa.
DELEGACIAS
A população também conta com 21 Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher (Deam). As Deams de Belém, Ananindeua Santarém, Castanhal, Marabá e Parauapebas, atuam com atendimento 24h, o que possibilita que as vítimas sejam amparadas em qualquer dia e horário, acelerando as investigações e penalizações dos responsáveis pelos crimes.
DENÚNCIAS
Além do 190 do Ciop que atende urgência e emergência e direciona o atendimento especifico pelo Pró Mulher Pará, há também o Disque Denúncia 181, e por meio do Whatsapp (91) 98115-9181 com atendente virtual IARA (Inteligência Artificial Rápida e Anônima), além do aplicativo SOS Maria da Penha da Policia Militar, que monitora e fiscaliza o cumprimento das medidas protetivas e de segurança de mulheres.